Exaltação da Santa Cruz
Interrompemos a liturgia do Tempo Comum, para celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz.
Duas antífonas, que são rezadas ou cantadas durante a Quaresma, na recitação da Via-Sacra, e na Sexta-feira Santa, na apresentação e adoração da cruz, expressam o significado deste símbolo tão caro, significativo e central para a fé cristã: “Nós vos adoramos, Senhor, e vos bendizemos, porque pela vossa santa cruz, remistes o mundo”! “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo. Vinde, adoremos”. A cruz remete à nossa redenção, lembra o amor de Deus por nós. É sinal do Cristo Salvador.
A cruz é um dos símbolos mais conhecidos do mundo. É utilizado nos altares, está nas Igrejas, nas casas, e até em lugares públicos. Muitos trazem a cruz no pescoço. Ela é exaltada em celebrações, procissões, pinturas e nos cantos.
Na época de Jesus, os romanos utilizavam a cruz como instrumento de punição, suplício, tortura e morte aos escravos e não-romanos que praticavam crimes ou se revoltavam contra o poder do Império romano. Para os gentios, a cruz era loucura, para os judeus, era instrumento de escândalo e vergonha (cf. 1 Cor 1,23; Gl 5,11). Morrer na cruz era um castigo terrível.
Os discípulos de Jesus, de imediato, não compreenderam o sacrifício de Cristo na cruz. Queriam um Messias sem a cruz (cf. Mc 8,32). Eles não assimilaram um Messias servidor e sofredor. Mas é na cruz que o véu se desfaz. Ali Jesus nos deu de presente sua Mãe (cf. Jo 19,27), entregou ao Pai o seu espírito (cf. Lc 23,46), foi proclamado como o verdadeiro Filho de Deus (cf. Mc 15,39), e, segundo os padres da Igreja, no sangue e na água que jorraram do seu lado aberto pela lança do soldado (cf. Jo 19,34), nos deixou os sacramentos do Batismo e da Eucaristia.
Desde o seu início, o cristianismo foi identificado com a cruz. O apóstolo Paulo diz que Jesus foi obediente a Deus até a morte de cruz (cf. Fl 2,8), por isso foi exaltado. Ele se fez pobre para nos enriquecer (cf. 2 Cor 8,9). A sua pobreza é a experiência da cruz. Agora, “a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus” (1 Cor 1,18). E o seu anúncio tinha como centro o “Cristo crucificado” (Idem, 1,23). Ao perder a proteção da Lei, após a sua conversão, também fez a experiência da pobreza, como Cristo na cruz, que foi “crucificado em fraqueza” (2 Cor 13,4). Ele perdeu o apoio da Lei, para viver para Deus, tornou-se pobre e foi “crucificado junto com Cristo” (Gl 2,19). Jesus está vivo pelo poder de Deus (cf. 2 Cor 13, 4). Também Paulo tinha a certeza de que a sua força e liberdade era a fé em Cristo crucificado (cf. 1 Cor 2,2; Gl 5,1)) e ressuscitado. A novidade do Evangelho de Paulo é o poder de Deus, mas um poder que segue o caminho da cruz.
O crucifixo foi o livro dos santos. Conta a história que certa vez, numa visita a São Boaventura, Santo Tomás de Aquino perguntou-lhe de que livro tinha feito mais uso em suas obras. Em que ele mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado.
São Bruno fundou no século XI a Cartuxa, uma Ordem religiosa contemplativa, que tinha como lema: “A cruz é estável, enquanto o mundo dá voltas”.
“Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente” (Santo Tomás de Aquino, Liturgia das Horas, vol. III, p. 1222).
“Sem a cruz não há caminho que leve ao céu” (Santa Rosa de Lima, Liturgia das Horas, vol. IV, p. 1220).
A experiência de São Francisco, com o Crucifixo de São Damião, marcou toda a sua vida espiritual. Foi nessa capelinha abandonada, diante do Crucificado, que ele entendeu sua missão e vocação.
São Paulo da Cruz indicava o verdadeiro caminho que leva a Deus: a fuga do pecado. E o melhor meio de fugir ao pecado é a consideração do amor infinito de Deus, concretizado na cruz, na paixão e morte de Cristo.
O episódio narrado na primeira leitura (cf. Nm 21,4-9) apresenta Deus com seu poder curador. Esta estória estranha foi lida pelos primeiros cristãos que viram nela um sinal de salvação. Jesus disse no Evangelho de João: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,14). Não contemplamos mais uma serpente de bronze, mas o Cristo na cruz, nossa salvação.
O crucifixo é um mistério, é sinal do poder do amor de Deus, que chega até à cruz para nos salvar. O seu amor é a coisa mais bela que temos e podemos oferecer. É do seu amor que vivemos e é para esse amor que vivemos. Essa é a novidade que Jesus veio trazer e que devemos acreditar e experimentar. A nossa vocação supõe um permanecer constante com Cristo.
Dom Paulo Roberto Beloto,
Bispo Diocesano.